sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Machado de Assis (2)

Celebração maior
Correio Braziliense - DF, Lúcio Flávio, 01/02/2008

Centenário de morte de Machado de Assis propicia uma série de eventos, como ciclos de palestras, reedições da obra do escritor e lançamentos de estudos sobre o homenageado.

Filho de um operário mestiço e uma portuguesa, o escritor Machado de Assis tinha tudo para não vingar na vida. De saúde frágil, era epiléptico e, embora um ás das palavras, gago. Cedo perdeu os pais e a irmã caçula. Foi criado pela madrasta, Maria Inês. Vendedor de doces na infância, não freqüentou a escola regular, mergulhando no universo do saber quase como autodidata. Mesmo com todos esses perrengues, o menino Joaquim Maria Machado de Assis galgou, degrau a degrau, os caminhos das letras, tornando-se um dos maiores escritores da língua portuguesa, o maior do Brasil, com admiradores por todo o mundo, do escritor Salman Rushdie ao cineasta Woody Allen.

Autor de obras singulares, como Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, o Bruxo do Cosme Velho, como era conhecido, ganhará este ano uma série de homenagens devido ao centenário de sua morte (29 de setembro de 1908). Antecipando as celebrações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, instituíram 2008 como o Ano Nacional Machado de Assis.

Mas é na Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual foi fundador e primeiro presidente, entre 1897 e 1908, que o escritor ganhará as maiores reverências, a começar por lançamentos de livros, seminários, palestras, exposições e shows. “Trata-se de nosso maior escritor”, comenta o jornalista, poeta e crítico literário Ivan Junqueira. Ocupante da cadeira nº 37 desde 2000, o acadêmico ressalta a coincidência de datas entre dois grandes nomes de peso da literatura brasileira. “É uma pena que o centenário de sua morte seja celebrado no mesmo ano dos 100 de nascimento de Guimarães Rosa. No ano em que morria o nosso escritor mais antigo, nascia o nosso escritor mais moderno. A vida apronta”, observa.

As comemorações, a partir de abril, vão ocupar todo o ano, sempre com entrada franca. “A academia sempre teve público assíduo. Com as homenagens ao centenário de Machado de Assis, o fluxo de pessoas deve aumentar”, torce Junqueira, que coordenará uma série de palestras, seminários e conferências, divididas em três grandes ciclos, em torno do universo machadiano. Entre os participantes, estão os acadêmicos Alfredo Bosi, Domício Proença Filho, Eduardo Portella, Antonio Carlos Secchin, o crítico de teatro Sábato Magaldi, além dos músicos Luiz Paulo Horta e José Miguel Wisnik. Um convidado especial, o escritor português de origem africana Helder Macedo, também marcará presença.

Música e cinema

“A idéia é criar um ciclo de debates com temas relacionados à obra e ao universo de Machado de Assis. Serão análises, discussões acerca de seus romances, crônicas, contos, poesias, sua paixão pelo teatro e pela música, a questão da mulher na sua literatura”, explica Ivan Junqueira. Aspectos como a paisagem urbana carioca, a crítica e a tradução, atividades que o autor de Esaú e Jacó desenvolvia com freqüência, também serão abordados. Junqueira fechou na semana passada a presença do filólogo espanhol Antonio Maura, que vai conduzir debate sobre a crítica machadiana. “Ainda estamos fechando a pauta, alguns nomes não estão confirmados, mas já temos um lista significativa”, adianta.

No âmbito musical as homenagens se intensificarão, com uma conferência sobre temas que o autor dominava e admirava: música popular e clássica. A tarefa ficará a cargo de Luiz Carlos Horta e José Miguel Wisnik. O primeiro pretende se debruçar sobre as influências da música clássica nas tramas do autor; o segundo abordará aspectos da música popular. “Quem lê as histórias de Machado percebe que a música está presente o tempo todo. Ele foi amante da ópera”, comenta Junqueira, animado por reativar o Club Beethoven - espaço criado dentro da instituição por Machado e colegas, que reunia intelectuais em torno de eventos culturais. “Vamos cumprir alguns programas da época a partir de arquivos recuperados”, promete. Shows com nomes da música contemporânea estão agendados. “Seria precipitado adiantar os nomes, mas a boa notícia é que 95% dos convidados já estão confirmados”, adianta Carlos Athayde, assessor de imprensa da ABL.

Ocupante da cadeira número nº 7, o cineasta Nelson Pereira dos Santos é outro que não ficará de fora das homenagens ao Bruxo do Cosme Velho. Diretor do curta-metragem O Rio de Machado de Assis, de 1965, o acadêmico, que no momento está na Europa, coordenará mostra cinematográfica em dezembro, com filmes baseados na obra do escritor. “Ele exibirá inclusive o dele, recentemente restaurado pela Funarte, em parceria com a ABL”, conta Athayde.

Outro evento que promete agitar os salões da casa é uma monumental exposição tendo como tema o universo machadiano. A mostra pretende ser a maior já feita na instituição. “Terá tudo o que se imaginar ligado à literatura machadiana em telas”, antecipa, animado, Ivan Junqueira.

Na tevê e nas estantes

Serão inúmeras as edições e reedições dedicadas à obra de Machado de Assis este ano. Até uma minissérie está nos planos da TV Globo.

Depois de se aventurar, ao lado de Daniel Filho, na transposição do universo do dramaturgo Nelson Rodrigues, no festejado A vida como ela é…, o novelista Euclydes Marinho trabalha num novo empreendimento envolvendo literatura e tevê. Trata-se da microssérie Capitu, adaptação do célebre romance Dom Casmurro, talvez a obra mais popular de Machado de Assis. A empreitada, prevista para ir ao ar em julho, pela TV Globo, terá direção de Luiz Fernando Carvalho, numa extensão do Projeto Quadrante, que recentemente levou para a telinha o hermético A pedra do reino, de Ariano Suassuna.

Será no campo editorial, porém, que as homenagens ao escritor ganharão fôlego. A cereja do bolo será a publicação de uma coletânea, em dois volumes, da correspondência do escritor organizada pelo acadêmico Sérgio Paulo Rouanet. Este mês, a Editora Record dá o pontapé inicial nas celebrações com a publicação da coletânea Toda poesia de Machado de Assis. Organizada pelo poeta e professor Cláudio Murilo Leal, a obra traz à tona o lado lírico do escritor, com a reunião de centenas de poemas publicados em jornais, revistas e até em livros.

Em março, o destaque é o lançamento de Almanaque Machado de Assis - Vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias. Organizado pelo escritor e mestre em literatura Luiz Antônio Aguiar, o livro traz como atrativos dados biográficos, guia de leitura, galeria de personagens e outras informações para orientar os admiradores da escrita machadiana. Um trabalho de caráter popular, que consumiu mais de 20 anos de pesquisa de Aguiar.

“A idéia é incentivar e apresentar a literatura do escritor, conquistar leitores para a sua obra, botá-lo na boca do povo. Machado de Assis tem fama de ser difícil, e este livro chega para desmitificar essa idéia”, garante Aguiar, que também planeja, com o ilustrador César Lobo, a reedição da versão em quadrinhos de O alienista, pela Editora Ática. “Esse projeto é uma ousadia, com abordagem de cunho autoral da obra. O texto está lá, mas a partir de uma leitura própria”, observa Aguiar, que pretende verter outros textos de Machado para a linguagem dos quadrinhos.

Releituras

Em abril, 12 autores, entre eles Heloísa Seixas e Cristóvão Tezza, dão colorido moderno a contos como Uns braços, O caso da vara e Um homem célebre, no projeto Recontando Machado. Também coordenado por Luiz Antônio Aguiar, o livro incluirá os contos originais lado a lado com releituras. “O projeto prova que a obra de Machado continua mais pulsante e fértil que nunca. Há resultados interessantes”, destaca Aguiar.

O destaque de maio na editora é a reedição da biografia Vida e obra de Machado de Assis. Tida por muitos como o registro biográfico definitivo do autor de Quincas Borba, o livro, escrito pelo pesquisador e escritor R. Magalhães Júnior, se divide em quatro volumes: Aprendizado, Ascensão, Maturidade e Apogeu.

De julho a novembro, seis volumes de contos divididos por temas como música, filosofia, adultério e mentira ganharão as livrarias. Contos de Machado de Assis - Volumes 1 a 6 tem organização de João Cézar de Castro Rocha. Conhecida por reeditar as obras completas de autores como Oscar Wilde, Dostoiévski e Mário Quintana, a Nova Aguilar, braço da Nova Fronteira, homenageará Machado de Assis lançando, no segundo semestre, em três volumes, a obra completa do autor.

Dois projetos editoriais serão destaques da Academia Brasileira de Letras (ABL). Para facilitar o acesso à obra do autor, uma parceria firmada entre o Ministério da Cultura e a ABL pretende lançar todos os livros do autor a preços populares, entre R$ 3 e R$ 5. No fim do ano, a casa lança ainda, sob direção de Ubiratan Machado, um dicionário sobre a obra machadiana.

A sexta edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que ocorre em julho, homenageia o centenário de morte do escritor, dedicando a ele uma série de atividades ainda em elaboração. “Machado não é apenas o grande clássico nacional. É também um escritor que polariza as principais vertentes da crítica literária no país. A homenagem da Flip pretende dar espaço às divergências de interpretação de que sua obra tem sido alvo nas últimas décadas”, afirma Flávio Moura, diretor de programação da feira. (LF)

Nenhum comentário: