quarta-feira, 18 de junho de 2008

"Quer que eu te empurre?"

A frase “quer que eu te empurre?” foi seguramente uma das que mais ouvi na vida até hoje. Se somar a variante afirmativa “deixa que eu te empurre” e a versão mais agressiva, mais “pedreiro man” (ui), “tira a mão daí que eu empurro”, não me restam dúvidas, é a frase que mais escutei até hoje.

Confesso a vocês que quando estou subindo uma rampa íngreme ou uma rua com forte desnível, sabe quando a gente fica com a língua pra fora, com cara de cachorro em frente do açougue? Então, ai eu torço forte para que venha um “quer que eu te empurre?” para me dar aquela “mãozinha”.

Muita gente pensa que cadeirante é tudo revoltado. Que vai xingar a mãe, tacar pedra ou chamar a “puliça” ao se oferecer um apoio, um auxílio. Não é beeeem assim, não. Uma ajuda pode ser bem-vinda, é claro. Mas há casos e casos.

Imagine você andando pela rua e, de repente, alguém te toca o braço. Não é seu vizinho, não é seu parente, não é seu amigo nem é seu padeiro preferido. É bem provável que você não vá gostar disso.

A cadeira de rodas, para os seus usuários, é como se fosse parte do corpo. Por mais esquisito que possa parecer, é assim que funciona, é assim que sentimos.

Quando surge, então, alguém para ajudar, esse alguém precisa estar ciente que estará tocando no próprio corpo do cadeirante. O mesmo acontece ao tocar uma muleta, uma bengala ou mesmo os óculos. Eu posso estar afim dessa pegação ou não, oráite?

Outro aspecto que, às vezes, pode justificar uma negativa de ajuda é que a cadeira não é um carrinho de mão. Por mais que pareça fácil manejá-la, uma pessoa sem a menor experiência pode esborrachar a cara do cadeirante no chão.

As rodinhas da frente da nossa “carriola”costumam emperrar nas centenas de buracos de nossas tão bem planejadas calçadas. Ai, gente, a pessoa nega porque rola um “meda”, “pegô”? Muitos deficientes têm problemas de equilíbrio e pra cair basta um descuido.

Por último, às vezes, o cadeirante não quer ajuda porque realmente ela não é necessária. Eu não posso exercitar meus braços? Não posso ter o direito de pensar sozinho com os meus botões?

E num museu ou numa feira, por exemplo? Isso acontece até com meus amigos mais chegado. Oras, eu quero ver as obras ou apreciar o produto ao meu tempo, não no tempo do outro....

Eu tô ali, admirando um Picasso (mente demoníaca a de vocês e o cabra me tira da frente da tela de supetão... é coito interrompido na certa, gente. Em locais bem planos, tranqüilos, não faz muito sentido a tal “ajudinha” a não ser que a pessoa peça ou que já esteja muito cansada ou que tenha dificuldades de tocar as rodas sem auxílio.

Eu, "inxibido", em Cartagena das Índias, num raro momento que pude apreciar uma obra de arte
(Botero) até quando quis, sem me arrastarem!

Mas o pior de tudo é quando a gente não tem como argumentar e nem tempo para isso. O sujeito te vê e vai te levando. Ele só avisa: “Tira a mão daí! Eu te levo! Descansa o braço”. Aí é emoção na certa. Pro cara fazer a boa ação dele do dia eu perco milhares de fio de cabelo de tensão.

E o sujeito anda depressa, tenso e vai empurrando a cadeira como se tivesse levando um carrinho de compras. E quando o “santo” diz: “vamos dar uma corridinha porque eu tô atrasado!”. Gente, só pode ser fetiche. Boa parte das pessoas adora correr com cadeirantes.

O jeito, então, é tentar ir direcionando a cadeira, mesmo a contragosto do “empurrador”, ir desviando dos buracos, ir se firmando do jeito que dá pra não conhecer o gosto de uma lambida da cara no chão.

Em tempo: A melhor situação para um cadeirante é quando a ajuda é oferecida assim: “Ola, você precisa de algum auxílio? Quer que eu te ajude? Como eu posso fazer”? Caso a ajuda seja negada, não insista. Procure pensar que quem está na situação desfavorável não é o andante.

Untitled AttachmentSe a ajuda for aceita, procure conduzir a cadeira num ritmo normal de velocidade e tente desviar dos buracos. Procure não lutar contra a direção que o próprio cadeirante está dando para a “viagem”!

No caso dos cegos, é importante que, se você for oferecer ajuda, deixe que ele pegue em seu braço e não o contrário. É muito comum ver gente arrastando o cego pelas ruas. É desesperador!!!

Escrito por Jairo Marques às 21h42
http://assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br/

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, Jairo. Boa tarde a tod@s.

Muito legal seu texto! Descreve de uma maneira leve detalhes até desesperadores e sem dúvida importantes da vida de um cadeirante.

Grata por compartilhar sua experiência conosco dessa maneira bem humorada.

É quando o riso faz a gente pensar...

Abraços a todos,
Katia
CAMS/CGGP
r. 8360